Ele cansou do seu papel no universo lúdico dela...
Naquele dia ele cansou... de oscilar entre ser o violão proibido do tio, que ficava escondido em cima do
armário ou o Playmobil sem o tampo da cabeça que ficava espalhado por qualquer
canto da casa...
O
Violão, bonito, mas faltando algumas cordas, só se podia pegar escondido, no meio da tarde enquanto a empregada ou a avó andavam distraídas entre janelas e portas. Era preciso subir no banco
bambo, com perigo de cair, de fazer barulho, e tocar baixinho, em puro deleite, durante
poucos minutos que valiam o dia, a semana. Mas era proibido. Proibido tem o som
mais doce. A poeira já nem era mais vista. A falta de cordas era imperceptível.
Até que um dia o tio nota o interesse e acha graça. E dá o violão de graça no
colo do sobrinho que arrisca alguns acordes agora já meio sem graça... fácil...
O
Playmobil tava sempre ali. Ora embaixo da cama, ora chutado pra debaixo da
mesa, ora alguém pisava e fazia um xingamento: “tira essa porra desses bonecos
daqui!” . Ora se brincava uma tarde toda e novamente se esquecia por dias e dias,
numa caixa ou pelo chão. Chegou em caixa embrulhada, colorida, desejada, aniversário, mas
logo se misturou a tantos outros bonecos que assim também chegaram que por fim perdeu
a raridade. Vulgo. E teve que se contentar em apenas estar. Aqui e
acolá. Às vezes servindo de alvo de um ataque apache, às vezes servindo de
munição contra um muro ou um irmão mais novo. Banal...
Quando
o menino cresce ou violão perde a graça,ou vira uma guitarra, um saxofone, uma
partitura. O Playmobil perde a graça, vai pra caixa de madeira no quarto dos fundos. Ou não, vira uma estória, um roteiro, um
filme de animação, uma música. Ficam na mente pra sempre, mas já não ocupam espaço físico.
Foram parar nos porões-do-belo- ser. Lá onde ,depois que a gente cresce, fica
fechado, sem sol, mas a chave sempre à mão pra uma descida rápida quando se é necessário lembrar o quanto aquilo era bom e feliz.